terça-feira, 3 de agosto de 2010

Entrevista com Cássio Ferreira - Sax jazzman



(Conhecido meu, que merece devida atenção do Brasil e do Mundo, quebra tudo Cassio!)

“Com participação em CD’s de Djalma Lima, Michel Leme,Alex Buck, Marcos Paiva; apresentações com a Retete Big Band, Zerró Big Band, Atrium Jazz Band,Soundscape Big Band, Banda Mantiqueira e presença em canais como Gazeta, Record, Globo e SBT. Conversamos sobre assuntos que envolvem a improvisação.

Rodrigo Chenta - Qual seria o objetivo da improvisação seja solo ou em grupo?
Cássio Ferreira-
A grande diferença entre a música erudita escrita e a instrumental popular é a improvisação. O jazz se equipara à música clássica. Quando improvisamos criamos algo instantaneamente como numa conversa. Estou conversando com você e estou improvisando, pois, não sei qual será a tua próxima frase e de acordo com o que ela for eu tenho que reagir a ela de uma forma que faça equivalência. Tem quer ter um sentido. Quando uma pessoa improvisa ela fala algo dela, solta vários traços de sua personalidade. Se for uma pessoa brincalhona ela pode tocar de uma forma mais engraçada, se for introspectiva de outro jeito e pode acontecer o contrário como o aparecimento do alterego. Por exemplo, Miles Davis era uma pessoa eufórica, raivosa, brava, sisuda, carrancuda e quando tocava era o oposto, tocava nota por nota, várias pausas, era doce. Isto é a manifestação do alterego dele, uma personalidade que estava escondida. Outro exemplo, John Coltrane, que era calmo, sereno, tranquilo e quando ele tocava era um “furacão” (risos), um demolidor, onde ele passava destruía tudo.



RC- O improviso demonstra o estado atual do executante?

CF-O improviso demonstra a personalidade da pessoa, o que a pessoa está sentido no momento. O meu improviso condiz com meu humor naquele instante. Se estiver triste toco de um jeito, se estou alegre toco de outro, se estou com raiva toco diferente. Isto não é uma regra, mas, acontece muito.

RC- Muitos guitarristas como Pat Metheny querem soar como instrumentos de sopro e vice-versa como Michael Brecker por exemplo. Este acontecimento é comun no jazz, fusion e afins. Por que acontece esta troca em sua opinião?

CF- O que alguns músicos fazem a esse respeito é tirar solos de outros instrumentos, pois, o desenho melódico e a forma de pensar nos solos são diferentes. Se utilizando destas diferenças e sugestões de outros instrumentos para pensar em harmonias e melodias, os músicos gostam de transpor para seus instrumentos para resolverem suas dificuldades e tecnicamente estarem mais bem preparado. Essa troca acontece também pelo motivo musical para buscar sonoridades diferentes.

"Os músicos não acadêmicos tocam, querem tocar e estão tocando.

RC- Fale sobre “inside” e “outside” pensando na frase de Arnold Schoenberg: “O que hoje é distante, amanhã pode ser próximo; é apenas uma questão de capacidade de aproximar-se”.

CF- Existem fases na vida de um músico. Algo que é estranho e causa certa repulsão natural, vem daquilo que a gente não conhece. Temos medo do que não conhecemos. Na medida em que entramos em outro universo e o conhecemos mais, esse medo vai sumindo dando lugar ao conhecimento. Por exemplo, imaginemos o mundo 1 onde o músico reconhece uma sonoridade como estranha, pois, não está acostumado com ela. Se ele tiver disponibilidade de conhecê-la entra em seu mundo e passa a tê-la em comum na sua vida. Só que existe algo mais tenebroso (risos). No mundo 2, se ele tiver coragem suficiente (risos) repetirá o mesmo processo anterior. Isso sobe e sobe aumentando a complexidade. Após um conhecimento mais amplo, o músico escolhe o que fazer na hora da improvisação e como organizar os elementos de todos estes mundos. Acredito que esta metáfora explica um pouco do que acontece. é preciso se dispor, ter vontade e atitude para tocar outside.

RC- O que você diria sobre a frase “As figuras mais marcantes na história do jazz estão no sopro”?

CF- Os instrumentistas de sopro têm uma noção melódica bem resolvida e geralmente mais que instrumentistas harmônicos. Uma vez que os saxofonistas e trompetistas desvendam alguns mistérios da harmonia existe a possibilidade de surgir figuras muito impressionantes. Olhando a história do jazz essa frase coincide. Vemos Louis Armistrong, Charlie Parker, Dissye Gillaspie, Miles Davis e John Coltrane como exemplo.

RC- O que é necessário para improvisar? Basta somente a intuição ou é necessário a técnica acima de tudo?

CF- Para improvisar é preciso conhecer as técnicas, estruturas, e na hora da execução estar preparado para aplicá-las. Acredito que a chamada “música popular” se iguala ao nível da música clássica, pois, se por um lado ela não tem a tamanha complexidade em sua construção, a outra não lhe dá esta capacidade de criar as coisas na hora da execução como na popular.

"Críticos e críticos vão, mas a arte fica.."

RC- Existem músicos como Olmir Stocker (Alemão), por exemplo, que odeiam usar frases prontas em seus solos e outros que apoiam seu uso. Certa vez Ogair Rosa Júnior me disse que ao utilizar os links talvez não houvesse improvisação, mas que improvisava no sentido de escolher o momento exato de usar o fragmento musical. O que você me diria sobre isso?

CF- Em todas as artes existe uma tradição, ou seja, ninguém cria nada do nada. Tudo o que a gente toca hoje alguém já tocou algum dia. Você nunca vai inventar uma frase, alguém já a tocou ou escreveu, porém, existe uma memória musical e obviamente quando tocamos muito do que ouvimos sai na hora da improvisação. Quando ouvimos muito um músico específico tocamos algo dele nos solos, pois está em nossa cabeça. Tudo vem dela, as concessões melódicas e os pensamentos harmônicos. Quanto mais músicos diferentes, bandas e estilos ouvirmos, mais diversificado ficará o solo. Também colocamos nossa personalidade nos improvisos e muitos a retraem. Por isso vemos tantas cópias de Michael Brecker, Pat Metheny e outros. Quanto mais o músico evitar frases prontas mais perto da improvisação pura estará mesmo que ele saiba que as frases que executa alguém já as tocaram. Isso não importa muito porque será assim com qualquer músico, comigo, com você, com Joe Henderson ou Sonny Rollins. Existe também a citação melódica que é diferente. Tocamos trechos melódicos de solos famosos com o intuito de lembrar as pessoas, como brincadeira e que acho bem bacana esse lado lúdico.

RC- Em conversas com Paulo Tiné, Michel Leme e muitos outros percebi que existe um desentendimento entre alguns músicos acadêmicos e não acadêmicos (risos). O que o Cássio Ferreira teria a dizer?

CF- O músico acadêmico, aquele que se prende bastante aos livros estudando estruturas, formas de se pensar a música, parte técnica, às pessoas que mapeiam e escrevem livros são importantes. Só que quem nasce primeiro não é a teoria, é a prática. A teoria está a serviço da prática. No meio musical, algumas pessoas que não tem talento suficiente para tocar se isolam nas escolas. Não vejo problema nenhum em estudar, pelo contrário, é muito importante. Tem que existir o lado que comprova e teoriza, pois, facilita muito a vida do músico. Mas, a teoria não existe por si só. Nem a filosofia é assim. Alguns acadêmicos acham coisas que julgam erradas em músicos práticos por causa de certas teorias e pensamentos como “isso pode fazer e isto não pode fazer”.
Os músicos não acadêmicos tocam, querem tocar e estão tocando. Acontece muito de pessoas que tocam direto não serem compreendidas porque geralmente eles têm uma postura que alguns acadêmicos não têm. Não procuram mostrar certo poderio intelectual. Até John Coltrane foi criticado por eles. Críticos e críticos vão, mas a arte fica.

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