terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Natal - Nina Horta

NATAL

Não tem maior pavor do que ter que escrever sobre o Natal, ano após ano. Aliás, escrever sobre ele não tem problema, ver como a vida nos mudou é que dói. Porque os natais antigos, quando você ganhava o boneco e o carrinho de lata, mais tarde quando escondia os presentes para aquela meninada, era tudo de bom. Qualquer coisa tomava proporções de mágica, de sinos, de presepes fundadores, de água fresca, de comida boa, de alegria destemperada. O peru era vivo e cambaleante, os outros cheiros também embebedavam, adquiria-se uma perspectiva feliz em torno da família. Uma enfeitação que não tinha fim, árvore, bola, anjo, crianças representando autos de natal...
Aos poucos a cena vai mudando como naqueles palcos que rodam devagar e de repente você está sozinho ali no meio rezando por uma praia distante, da qual Papai Noel não conheça o endereço, sem GPS para as renas. Bom, a família próxima pode ir, mas muitas vezes ela já se adiantou e chegou primeiro ao deserto de Atacama.

E Jesus, como fica? É chato falar, mas perdeu a partida do consumo. Ele próprio deve andar evitando a data. Foge no dia.


E começa-se a tentar novos Natais. O da praia deserta é o primeiro, e a decepção a maior de todas. Muitos mosquitos, solidão total, medo de assalto, e conversas sem parar por Skipe com a família inteira o que o faz sentir meio bocó de se afastar de tudo para depois comemorar virtualmente.
Fingir que a data não existe e ficar na cama assistindo TV. Hooooje é o novo dia..... Quem é aquela que aparece logo no comecinho atrás de uma porta? E como o Juca de Oliveira está bem!Aquela morena da novela exagerou na cantoria e na alegria, pensou que era escola de samba.. E como são distribuídos os lugares? Quem fica lá atrás se chateia? Será que é por sorteio? Não é, a Débora Secco está logo na frente, não vi a Juliana Paes. Puxa, mas o Bonner dá um carteiro e tanto, jeitoso!

Ah, viajar naquele avião vazio, justo no dia de Natal, fuga impensada em tempos passados. Que avião vazio? É o dia mais cheio do ano! Todos descobriram o golpe.

Então, tá. Ficar em casa, fazer a comida tradicional da família, sentir saudade do bacalhau da mãe, tentar uma imitação que não chega aos pés porque não é o bacalhau da mãe, escolher uma comida bem fácil de se fazer na hora, porque tradição é igual telhado de Paraty, em menos de quatro anos adquire patina, musgo, e antiguidade. Três anos seguidos de camarão a provençal fazem dele um clássico brasileiro de primeira.

Quanto a presentes não dá mais tempo, bastava uma graça qualquer, um carinho, um modo de mostrar que você conhece bem o outro, que nada melhor para agradá-lo do que um caderno de folhas brancas e um lápis. Uma foto antiga do filho para a sua nora, mas não. Fazemos questão de não ter tempo, nem amor, nem tolerância, só cansaço. Vamos lá, quem sabe o palco roda de novo?


Hooooje é um novo dia, de um novo tempo que começou. Nesses novos dias, as alegrias serão de todos... É só querer, todos os nossos sonhos serão verdade...o futuro já começou. Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier...




(Nina Horta).

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