quarta-feira, 31 de março de 2010

O OLHAR DA CÂMERA - 29/03/10 - ( Pondé )


O OSCAR do filme "O Segredo dos seus Olhos” foi um prêmio mais do que justo para o cinema argentino. O cinema de “los hermanos” é melhor do que o nosso. E digo isso com lágrimas nos olhos porque sou envolvido diretamente na formação de novos cineastas no Brasil. E por que não conseguimos fazer filmes como nossos primos argentinos?

Resumidamente, eu diria que nosso cinema é, em grande parte, imaturo, sem tradição estética, obcecado por certos temas monótonos, quase amador em termos de conteúdo, e se vê como instrumento de transformação social.

Começaria perguntando o seguinte: a arte deve ser política? Não. Muitas vezes isso atrapalha. E mesmo quando o for, deve ir além desse lero-lero de luta de classes, como no caso de “O Segredo dos Seus Olhos” e o tratamento do ambiente pré-ditadura na Argentina, que não é foco principal do enredo. A política mata a arte, tornando-a datada como um panfleto qualquer. A política como tema da arte acaba sempre banal como a política o é na realidade: arranjos pragmáticos de violência e interesses. Quando ela se faz mais do que isso, fica mentirosa ou ridícula.
Nosso cinema varia entre cinema político chato e uma verborragia psicanalítica adolescente. Com exceções.
Outro problema é o culto dispensado a figuras como Glauber Rocha. Se ele foi “revolucionário” em algum momento, o foi apenas no aspecto formal (ainda que eu o tenha sempre achado apenas cansativo e presunçoso, e essa coisa de “cinema novo” sempre me pareceu sobrevalorizada) , mas quanto ao conteúdo, acho-o apenas datado e equivocado. Sua intenção revolucionária banhada em marxismo condenou sua visão de mundo a uma “historinha” que parece ter sido escrita em centros acadêmicos de gente de 18 anos (nos anos 60 e 70), que pouco revela da vida real e a sangria moral e existencial que ela realmente é.

Lembremos que foi o próprio Glauber que escreveu, em meados dos anos 60, que Machado de Assis seria esquecido porque não captou a luta de classes no período do Segundo Império no Brasil. Meu Deus, tenha piedade dele, porque não sabia a besteira que falava! Machado de Assis é eterno, enquanto ele, assim que a maioria dos formadores dos jovens cineastas pararem de idolatrá-lo, poderá ser confundido com a lata de lixo da história do cinema nacional.

Algumas obsessões de conteúdo, ao meu entender, travam a produção nacional no nível de “cineclube de centro acadêmico estudantil”. Nada mais aborrecido do que alunos que acham que mudam o mundo: normalmente isso nada mais é do que uma forma chique de matar aula e estudar pouco. Com raras exceções. A força do jovem está no ato de emprestar aos dramas humanos ancestrais a beleza de seu encantamento, desprendimento, coragem e futuro desencantamento.
Para além de chanchadas requentadas, o pressuposto de que o cinema seja instrumento de consciência social enche o saco de qualquer pessoa que gosta de cinema. Nada mais monótono do que cinema com consciência social, além do mais, porque sabemos que a “indústria do bem” não passa de um disfarce. Os agentes de transformação social pela arte são mero produto, como qualquer outro produto da indústria cultural.

Cinema deve contar histórias onde o olhar da câmera deve estar no lugar da voz. O conteúdo deve se alimentar de questões eternas, por isso, melhor se alimentar de temas morais do que de políticos, quando não for apenas bom entretenimento. E deve falar à alma e não a pseudodramas políticos de época.

Muitos de nossos futuros cineastas vêm da elite econômica (fazer cinema demanda muito dinheiro e disponibilidade de tempo), e muitas vezes são torturados com falsos dramas de consciência justamente porque são membros da elite. Como se devessem se redimir do que são, dando voz apenas aos pobres, bandidos e miseráveis do país.

E aí vem a repetição: Nordeste, fome, miséria, bandido (como se só por ser bandido, alguém fosse necessariamente vítima de alguma forma de injustiça, quando na realidade muitos bandidos o são porque são maus mesmo), ditadura (essa, então, no cinema, é uma enorme indústria de vítimas bem-sucedidas), favela. E daí, nós recomeçamos: Nordeste, fome, miséria, bandido, ditadura, favela… Nordeste, fome…

Voltemos a Shakespeare, Dostoiévski, Machado de Assis, deixemos Foucault, Glauber e Bourdieu “dormirem” um pouco no formol, para ver se eles sobrevivem ao tempo.

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